segunda-feira, 27 de dezembro de 2010

Sinceridade

Um pequeno espaço
Sob uma fraca luz
A menor vontade
O que interrompe
O fracasso de falar
Sob a mesa de qualquer bar
Mas o regozijo
De pôr pra fora
Segredos caminham
Palavras silenciosas andam
E tem-se vontade de ir pra trás
O foco desfocado
Na máscara mal vestida
Mais tarde voltará
Minha mera pobre besta
Sinceridade

quarta-feira, 22 de dezembro de 2010

Cogito (Torquato Neto)

eu sou como eu sou
pronome
pessoal intransferível
do homem que iniciei
na medida do impossível

eu sou como eu sou
agora
sem grandes segredos dantes
sem novos secretos dentes
nesta hora

eu sou como eu sou
presente
desferrolhado indecente
feito um pedaço de mim

eu sou como eu sou
vidente
e vivo tranquilamente
todas as horas do fim

terça-feira, 21 de dezembro de 2010

Quarto trancado

Um lugar inóspito
Uma escrivaninha de qualquer coisa
Uma taça especial
Um vinho roubado
Um coração palpitante
Uma linda canção
Um lápis e um papel
Tudo absolutamente avulso
Lágrimas nos olhos
Tentando sorrir a alma
Um dia sozinho
Sem palavras, sem vozes...
"Uma alegria solitária pode te tornar patética"

segunda-feira, 20 de dezembro de 2010

(Fernando Pessoa)

"Alegra-me às vezes passageiramente pensar que hei de morrer
E serei encerrado num caixão de pau cheirando a resina
O meu corpo há de derreter-se para líquidos espantosos
As feições desfar-se-ão em vários podres coloridos
E irá aparecendo a caveira ridícula por baixo
Muito suja e muito cansada a pestanejar"

Compondo notas musicais

Olhos magneticamente vidrados
Notas que falam mais que palavras
Totalidades desconexas que se unem num só sentido

Como o desejo pelo suicídio constante
Como hoje não se sente
Como a cor da tinta que se deseja outra
Como, sempre, as palavras que surgem soltas

Minha flor amarela
Segura por canudos de plástico
Do sorriso mais doce e tímido

Como o sono que irrompe
Como os olhos bêbados pesados
Como o silêncio mais gritante
Como a inspiração confundida

Lábios que pronunciam palavras
Ouvidos que prenunciam ausências
Mãos que ignoram o toque

Materializações do inexistente

Mas existem vários muitos níveis
E há mais metáforas nas palavras
Que a própria palavra.

quarta-feira, 15 de dezembro de 2010

Dissolução (Ariosto Teixeira)

O descontrole sobre o que acontece dentro,
Dá a um homem a ideia de desmanchar,
A secura do osso em ácido corroendo-se,
Espuma dissolvendo-se na pia de lavar.
Sente-se um demente a pedir esmola,
As mãos trêmulas, a mente em bruma,
Úlcera afogada em coca-cola,
Saudade de si, melancolia e tontura.
Do tempo emerge o aroma que abala,
Até que percebe que tal fumaça,
É só um erro que de si mesmo exala,
Arma de destruição em massa.
     Um homem não sabe o que sente quando nasce,
     Mas sabe o que padece até que tudo passe.

terça-feira, 14 de dezembro de 2010

Molduras

Não me emolduro por sentir medo
Não quero, não vou, não sou assim
Não se sente o que paraliza
Não paraliza o que se sente

Lágrimas caíram
No meio do nada
Nada plantaram
A não ser o azul do céu
Aquele que não reflete
Só se percebe

Pior do que estar quebrado
Em quantos quaisquer pedaços
É ter perdido uma lasca
Da madeira que compõe o quadro

Lágrimas caíram
No meio do nada
Nada plantaram

A não ser o azul do céu
Aquele que não reflete
Só se percebe

E a pintura na tela
É o espelho
Que reflete o avesso do avesso

Musiquinhas da turma do Charlie Brown | lembranças da infância |

Noite insone

A porta fechada
Cortinas e janelas
Ventilador ligado
A televisão não

O veneno disperso no ar
Não parece se dissipar
Um inseto atormentava

Além do inseto
As asas que eu queria para voar
Lindas asas grandes e negras
Como o abraço apertado

Ao fundo a linda música
Que ouço sem perstar atenção
E que queria que outros ouvidos escutassem.

quarta-feira, 8 de dezembro de 2010

Histórias infantis para crianças velhas

Casas   amarelas com telhados floridos e jardins da mais pura água salgada de um mar carioca,   agrupadas lado a lado, de cima abaixo de   pernas longas e sem grades. Escadas dispostas na horizontal servem de apoio   para quedas   constantes de suicidas   frustrados que saltam das janelas de seus vizinhos para   um público infantil que aplaude pelos doces   jogados nas bocas de seus pais para dentro de suas orelhas.Cabelos   escorrem dos braços para   servirem de caminho para os   céus de borboletas lilases que se escondem nas copas das árvores vermelhas.   Pessoas se enforcam   com suas línguas e se afogam com     suas salivas enquanto constroem famílias fazendo    sexo dentro da casinha do    cachorro ou na caixa de   areia do gato.Cortes de estiletes nos braços se confundem com marcas    redondas de cigarrinhos de chocolate.      Manchas vermelhas fazem cócegas em feridas abertas    por beijos e o pus que escorre cai na comida do pássaro que, neste      momento, bate a cigarra que está no seu bico no galho com toda ânsia e     paixão para mastigá-la e sentir o seu sabor    amargo causador de cânceres rosas     nos olhos daqueles que sofrem com    músculos no cérebro. Carros de fumaça carregam crianças avessas que brincam com suas      vísceras de pular corda e com suas bexigas de queimada. No caminho para    a escola, os pais gritam suavemente     para seus filhos não arrancarem os dentes das girafas nem pregá-los com cuspe    nas patas dos elefantes de uma floresta     temperada com pimenta. Quando o sol se põe e a arara-azul surge no céu junto com as ariranhas-estrelas, as crianças se postam perto da lareira    cobertas com     jornal para dormirem pesadelos profundos de uma vida sonhada por    seus pais com problemas de insônia    que tomam café com coca-cola em busca de livros fantásticos que se escondem entre os vermes que habitam suas cabeças para contar histórias reais de uma fantasia inexistente   para seus filhos.

terça-feira, 7 de dezembro de 2010

Encontros

As curvas do corpo
A suavidade dos cabelos
O toque das mãos
O choque dos olhos
O encontrar dos corpos
O gosto da boca
A ofegante respiração
A embriaguez da alma
A ressaca do coração
A cólera da razão
A torpidez da calma
As alucinações do amor
A taquicardia da raiva
A amargura da dor

quinta-feira, 2 de dezembro de 2010

Movimentos

Os olhos da alma, a porta do corpo, a janela da imensidão
Um mergulho no fundo do ser, a tentativa de escapar
A fuga, a morte, o caos, o desespero, a dor, o medo
A verdade ao alcance dos olhos, as palavras na boca
Ser, não ser, estar, persistir, viver e morrer
O mundo, a igreja, a televisão, o som, o mar
A estrada, o círculo, o ciclo; viver e morrer
Famílias, parentes, pessoas, solidão, remorso, filhos
Futuro, passado, harmonia, tempestades, o infinito
Fim, começo, recomeço, partidas, chegadas, desencontros
Dança, fome, sede, deserto, neve, natal, ano novo
Feriados, trabalho, dinheiro, casa, comida, carro
E o mundo continua girando...
O choro, o riso, o tapa, o carinho, os opostos
A química, a física, a história, a vida
O mártir, a ilusão, a falsidade, o amor
Fúteis, amorosos, invisíveis, insolúveis, inexplicáveis
O vômito, a diarreia, o salmão, o lixo, o táxi
A vida passa diante dos olhos
Os filhos nascem dos ventres
Os risos brotam da falsidade
O dinheiro é gasto pelos que não existem
O carro anda sob a estrada
O sol queima sobre as cabeças
Os sapatos calçam pés descalços
As roupas vestem os desnudos
E somos feitos da mesma matéria
E por que somos tão diferentes, e indiferentes?